sábado, 29 de janeiro de 2011

Personagem de terror do Espírito Santo, ex-delegado diz que seguiu a política do "bandido bom é o morto", mas que Jesus o fez um novo homem

Cláudio Antonio Guerra: "Me deram muito poder"
O temido ex-delegado diz que seguiu a política do "bandido bom é o morto", mas que Jesus o fez um novo homem


Um senhor de cabelos brancos, sandálias e mãos trêmulas que seguram uma Bíblia nos recebe em uma casa de repouso em Vila Velha. Por trás do jeito tranquilo está o homem que comandou no Estado o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), cujo objetivo era controlar e reprimir movimentos contrários ao regime político na década de 70. Contra ele pesam acusações de formação de quadrilha, roubos de armas, tráfico de drogas, tortura e homicídios, incluindo o de sua própria mulher.

O temido ex-delegado da Polícia Civil Claudio Guerra, acusado de chefiar grupos de extermínio, garante que hoje é um novo homem. Aos 70 anos, afirma ter tido um encontro com Jesus no presídio onde cumpria pena por assassinato. Por isso admite erros, mas não é direto ao falar que matou ou torturou. Justifica seus atos com o contexto histórico em que viveu e com o poder que lhe foi dado.

Seu semblante calmo só se altera quando lembra do constrangimento da família ao visitá-lo na prisão. "O difícil é o vexame. Os visitantes precisam ficar nus. Não é justo, é algo que a Justiça precisa mudar", defende.

De delegado temido a pastor. Como se deu essa mudança?Foi plano de Deus. Antes servia ao homem e procurei fazer o melhor, mas cometi muitos erros. Reconheço isso porque agora tenho Jesus. Mas não pensava desta forma quando fui condenado. Avaliava que os meus atos eram justificados, feitos para proteger a sociedade.

Tinha alguma religião?Como todo brasileiro sem religião, dizia que era católico, mas não frequentava a igreja.

O que sentiu ao ser preso?Revolta. Não aceitava estar entre bandidos ao invés de uma prisão só para policiais. Era horrível. Na Penitenciária de Viana, na segurança média, dividia uma cela com mais três pessoas, mas no dia a dia convivia com outros presos. A raiva só começou a se transformar no início de 2006, quando conheci uma missionária de nome Santinha, muito parecida com a minha mãe. Foi o que me fez prestar atenção ao que ela pregava e me converti. Em 2007, com autorização da Justiça, fui batizado nas águas do Rio Jucu.

E como era a convivência com as pessoas que tinha mandado para a cadeia? As autoridades me alertaram que poderiam me matar, mas depois que comecei a frequentar e a participar dos cultos, passei a servi-los, a ajudar os que tinham problemas jurídicos. Até que a situação mudou.

Como?No início de 2008 a Promotoria avaliou que eu era um preso com mordomias e me transferiu para a ala de segurança máxima. Um lugar de castigo, isolado. Ficávamos 22 horas num cela pequena, sem energia. Fiquei 90 dias sem falar com minha família. Não pude nem levar a Bíblia. Hoje sei que Deus agiu para me mostrar que eu ainda tinha alguma soberba. Lá vi que estava sozinho, sem o apoio da família. Ali minha fé se fortaleceu.

De que forma?Estava em uma cadeira de rodas, com artrite reumatóide. Uma única vez tive condições de ir a um especialista, que me receitou remédios para as dores. Até que um presbítero orou por mim e disse que estaria andando na quinta-feira seguinte, e foi o que aconteceu. Sei que ocorreu um milagre comigo.

O senhor teve outros problemas de saúde?Tive 95% de obstrução nas veias do coração e precisei fazer uma cirurgia para colocar um stent.

O senhor acha que as pessoas acreditam na sua conversão?Não estranho e não fico magoado se não acreditarem. Antes eu dava risada quando me relatavam situações como a minha. Nunca imaginei que um dia seria pastor. Tinha até um trato com um colega, o investigador Pedro Suzano, de que se na velhice um dos dois tentasse se esconder atrás da Bíblia, o outro o mataria com um tiro de 12 (escopeta). Quando ele soube dos novos rumos da minha vida, enviou uma carta dizendo estar feliz com minha decisão.

Onde avalia que a sua vida perdeu o rumo? Antes de ser policial eu fui oficial de justiça em Minas Gerais. Lá ajudei a fazer a reintegração de posse de algumas terras e acabei fazendo inimizade com um fazendeiro que mandou me matar. Um primo acabou sendo morto em meu lugar. Na época, nada pude fazer porque me avisaram que havia o envolvimento de policiais. Anos depois fui convidado a participar de uma diligência para prender um foragido. Nela estava o policial que matou meu primo. No final, ele e o bandido estavam mortos. Ali começou o caminho para a violência.

O senhor os matou? Não me eximo de culpa porque estava junto.

O que veio depois? Fui convidado a atuar em uma força policial na divisa com Minas Gerais por conhecer bem a região. O objetivo era combater a pistolagem. Naquele mês a área foi limpa, mais de 30 pessoas - todos bandidos - morreram. Mas eu queria abandonar essa vida e fiz o concurso da Polícia Civil no Estado, onde passei a atuar como escrivão.

O que mudou?Vivia em paz, longe dessa coisa de matar que, apesar de negar, me dava medo. Um dia estava na delegacia, onde trabalhava com o coronel Décio Nascimento, quando recebemos a visita de um coronel mineiro, velho conhecido. Naquele dia Nascimento descobriu o meu passado e fui nomeado delegado de Maruípe. Assumi o cargo e comecei a me destacar. Algum tempo depois assumi a Delegacia Especializada em Crimes contra a Administração Pública. Era só fachada, porque fazia de tudo.

O senhor também comandou o Dops no Estado. Fui convidado por um coronel do Exército porque a guerrilha e a luta contra esquerda estava ferrenha. Eles me lembraram que eu tinha sido treinado para isso, o que era verdade. Aqui montei uma rede de informações mais eficiente que a do Serviço Nacional de Informações (SNI) no Rio de Janeiro. Tinha informantes em vários lugares, como o sul da Bahia, onde o partido (Partido Comunista ) foi estourado. Depois assumi várias delegacias, me destaquei e criei inimigos na corporação. Minha última função foi à frente do Grupo de Operações Especiais (GOE), até ser exonerado em 1990.

Há várias acusações contra o senhor por homicídio, formação de quadrilha, roubos de armas, tráfico de drogas e tortura.Hoje não me defendo de nada. Deus me conhece e sabe o que fiz ou não. Naquela época havia uma vontade política de me destruir e muitas coisas erradas foram feitas. No caso do Jonathas Bulamarques não digo que sou inocente, mas fui condenado também pela tentativa de homicídio contra as irmãs Denise e Déia Gava, mas as moças nem no hospital ficaram. Então, qual foi a tentativa de homicídio? Foi uma condenação política, mas isso é passado.

E a morte da sua companheira Rosa Maria Cleto? A morte dela era para mim. Ela e a irmã - Glória - foram executadas por alguém que reconheceram, mas isso não está nos autos. Alegam que mandei matá-la por ciúmes, mas estava no Rio de Janeiro apurando informações sobre o caso Araceli. A força tarefa trazida por Gerson Camata ao Estado indiciou policiais militares pelo crime, mas as armas deles não foram verificadas e seus depoimentos foram direcionados. Não há acusações contra mim nos autos.

E o caso Maria Nilce?Fui acusado de desviar os rumos do processo, mas eu prendi o José Sasso. A Polícia Federal só cumpriu o que eu já tinha feito, mas não chegou aos mandantes porque não interessava. Eu os teria encontrado.

Tem medo de ser morto? Não. Prego em lugares perigosos como Santa Rita e Alecrim, em Vila Velha, onde as pessoas me reconhecem. Já encontrei até quem tinha mandado prender.

Onde errou? Fiz escolhas erradas. Nunca deveria ter saído de Minas Gerais para aceitar poder no Espírito Santo. Foi me dado muito poder numa época em que se pregava a violência. O governo federal nos ensinava que bandido bom era o morto. Havia uma política de bandido morto e fui muito usado para isso. Não estava preparado para tanto poder. Hoje sei que esse foi o meu erro, porque ninguém tem direito de tirar a vida do outro, mesmo a do pior bandido, porque ele pode ter a oportunidade de mudar. E se isso não ocorrer, se ele for um risco para a sociedade, deve ser mantido em um lugar adequado, respeitando a sua integridade. Não respeitar isso foi meu erro no passado.

Como é sua rotina hoje? Estou em uma casa de repouso por determinação da Justiça, em decorrência do meu estado de saúde. Vou à farmácia, ao médico e à igreja. Não tenho escolta, mas apresento no fim do mês um relatório de tudo o que faço. Vivo com dificuldades financeiras, mas não quero nada do passado. Se quisesse bastaria um telefonema para os antigos amigos para ter uma vida tranquila.



Um passado de acusações e condenações

Vida. Cláudio Antonio Guerra está com 70 anos. Tem nove filhos e 11 netos. Estudou Direito em Colatina e voltou a se graduar, no ano passado, em Teologia, na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Foi oficial de justiça em Minas Gerais e escrivão e delegado da Polícia Civil até 1990 no Estado, quando foi exonerado. Agora luta por sua aposentadoria.

Condenação. Foi condenado a 42 anos de prisão  em regime fechado - dos quais ficou preso por 10 anos -, pelo atentado a bomba, em agosto de 1982, em Vitória, que mutilou o bicheiro Jonathas Bulamarques e feriu as irmãs Denise e Déia Gava. Bulamarques era apontado como chefe de uma quadrilha internacional de roubo de carros, tráfico de drogas, jogo de bicho e falsificação de dinheiro. No atentado, ele ficou mutilado, mas acabou sendo morto cinco meses depois, em uma invasão à sua casa, em Vila Velha.

Caso das irmãs. Glória e Rosa Maria Cleto, que foi companheira de Claudio Guerra, foram mortas em dezembro de 1980. Rosa foi encontrada em um lixão em Itacibá, Cariacica, com 19 tiros, e Glorinha com 11 tiros. Pelo crime, Guerra foi condenado a 18 anos de prisão, mas o caso aguarda decisão do Tribunal de Justiça, segundo ele.

Maria Nilce.  A jornalista foi assassinada no dia 5 de julho de 1989, aos 48 anos. Segundo o processo, os tiros foram dados por José Sasso. Até setembro de 1989, o inquérito foi presidido pelos delegados Josino Bragança e Cláudio Antônio Guerra, mas em agosto do mesmo ano passou para a Polícia Federal (PF) após denúncias de irregularidades na condução das investigações. A PF indiciou seis pessoas pelo crime. José Sasso foi morto em 18 de setembro de 1992. Contra Guerra pesavam acusações de ligações com Sasso, que estava em sua casa quando se pensava que estava foragido.








1990 - Delegado da Polícia Civil Cláudio Antônio Guerra



A Gazeta

Leia mais sobre o ex-delegado Cláudio Guerra no seculodiario.com

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