domingo, 10 de julho de 2011

A sociedade mudou muito. Já as igrejas...

A sociedade mudou muito. Já as igrejas...
Regras definidas por igrejas muitas vezes limitam quem não tem como segui-las, como os divorciados




foto: Carlos Alberto Silva

O administrador Paulo Maurício, de 57 anos, e sua esposa Ângela Aparecida Casemiro Del Rey, de 40 anos, são um casal católico de segunda união

Há mais de 40 anos se instituía o divórcio. Recentemente, a lei reconheceu a união entre homossexuais. A sociedade moderna avança a passos largos, porém a maioria das igrejas tradicionais tetem mostrado dificuldades para acompanhar a rapidez dessas mudanças.

Nesse compasso, os fiéis que se encontram, mesmo sem querer, em situações de conflito com as doutrinas da igreja que decidiram seguir, encontram caminhos para continuar vivendo em plenitude a sua fé.

Questão de consciência
Há 20 anos, desde que se casou, a esteticista Angela Maria de Almeida, 41 anos, não comunga, por haver celebrado a união somente no civil. "Meu marido foi criado em uma família de pais de religiões diferentes e acabou não frequentando nenhuma.E ele não quis fazer a primeira eucaristia só para poder se casar na igreja", explica ela.

Angela acredita que se decidisse por comungar não seria recriminada nem pelo padre nem pela comunidade. "Mas não faço por uma questão de minha consciência com Deus, mesmo às vezes sentindo falta desse sacramento".

O mesmo pratica o casal Paulo Maurício del Rey, 57 anos, e Angela Aparecida Cassemiro del Rey, 40, que vive uma segunda união há 11 anos.

"Ninguém casa para se separar. E quando se rompe essa aliança é claro que há sofrimento, pois temos um respeito muito grande pelo sacramento do matrimônio. Mas as coisas ficaram mais claras quando a gente entendeu a proposta da Igreja para pessoas na nossa situação", conta Angela de Almeida.
foto: Ricardo Medeiros

Para formar uma família, ele abriu mão da vocação
Desde os 11 anos Edebrande Cavalieri estudou num seminário com o objetivo de se tornar padre. Seu ideal era trabalhar nas missões, ajudando a população mais carente do continente africano.

Mas no último ano de estudo, antes de sua ordenação, já um jovem de 24 anos, ele decidiu abrir mão da vocação por sentir que não seria possível conviver com uma das exigências da vida religiosa: o celibato. "Sempre procurei ser coerente com as minhas convicções. Apesar de acreditar na minha vocação, eu não podia seguir. Não dá para ter uma vida dupla", explicou.

Cavalieri se casou, teve filhos e ingressou na vida acadêmica. Hoje é professor de Filosofia na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Ele garante que a mudança de rumo na sua vida não abalou em nada sua relação com o catolicismo.

"O celibato é uma questão disciplinar da Igreja e não tem relação direta com a fé da pessoa", explica. Na opinião de Cavalieri, que também é teólogo, a Igreja Católica é liberal e tem o cuidado de "ouvir a voz do tempo". "Até a década de 60 as missas eram rezadas em latim. Isso e muita coisa já mudou na Igreja", garante ele.

Acolhimento
O casal encontrou na comunhão espiritual e no serviço à Igreja a forma de viver sua fé. Trabalha na Pastoral Familiar há seis anos, no acolhimento de casais em situação especial.

A coordenadora da Pastoral Familiar da Paroquia Sagrada Família, Gláucia Magalhães Guimarães, conta que muitos casais de segunda união chegam à igreja pensando que não serão bem recebidos. "Eles acreditam que o que os envolve na Igreja é a eucaristia, e a primeira coisa que perguntam é por que não podem comungar. Mas há outras formas de se sentir em comunhão com Deus, como se alimentar da palavra sagrada", explica.

Para gays há duas saídas: omitir e continuar ou mudar
Nem a família nem os colegas que participam da mesma igreja evangélica do professor César (nome fictício), de 28 anos, sabem que ele é homossexual. Desde os 11 anos ele frequenta as celebrações em que se prega que a família ideal e abençoada por Deus é aquela formada por um homem e uma mulher. "Na adolescência foi a parte mais difícil e na qual eu tinha mais conflitos pessoais. É uma fase em que você ainda não se aceita, e como a igreja não abre espaço para o tema, fica tudo mais complicado", conta.

Para se preservar, ele prefere não participar dos ritos das celebrações, que incluem a ceia. "A gente acaba ficando um pouco à margem das celebrações, às vezes por iniciativa própria". Mesmo com todas essas questões, César não pensa em mudar para as igrejas que têm surgido, lideradas por homossexuais. "Cresci aqui, é onde tenho meus amigos. Eu gosto da religião que escolhi", afirma.

Outro caminho seguiu o fisioterapeuta Jeferson Lima, de 31 anos. Ele cresceu na Igreja Católica, mas com o tempo acabou mudando para uma denominação espírita. "Além de haver sentido minha mediunidade, mudei porque aqui não preciso esconder quem sou e me sinto mais confortável. Mas sigo uma doutrina quase particular, pois não vejo a homossexualidade como pecado", afirma Lima.

Religiosidade cada vez mais privada
Para o teólogo Wanderley Pereira da Rosa, as novas formas de família, o divórcio, a homoafetividade e outros aspectos da vida moderna têm levado as pessoas a viverem a sua religiosidade em um âmbito mais privado. "Hoje o que diz o papa não é mais lei para todos aqueles que frequentam a igreja. Eles vivem a sua fé, mas na hora de solucionar as questões da vida particular, as decisões não costumam ter cunho religioso", afirma. Para ele, a manutenção de normas e proibições que não se ajustam a modernidade podem gerar sentimentos de culpa nos fiéis e um ambiente de hipocrisia. "É o que acontece, por exemplo, quando um membro tem que ocultar a sua sexualidade e os fiéis acabam não tendo liberdade dentro da própria igreja", explica.

Análise

"Mudanças em ritmo lento"
Christovam Mendonça, teólogo, mestrando en Ciências da Religião e coordenador do Fórum Estadual em Defesa dos Direitos e Cidadania LGBT
Todas as igrejas, inclusive as mais tradicionais, não são formadas somente por dogmas e doutrinas. Elas são instituições políticas, empresariais e administrativas que necessitam serem legitimizadas pela sociedade. E a medida que começam a perder fiéis, passam a se adaptar.

Acredito que é isso o que vai acontecer com relação aos gays e outras questões. Lentamente, as igrejas passarão a ser mais inclusivas. Isso já ocorreu com o divórcio, por exemplo. Antes, pessoas divorciadas não eram aceitas. Hoje elas já podem participar de várias atividades em algumas igrejas. E isso aconteceu em muitos outros casos: antes a igreja pensava que os negros não tinham alma, que a terra era o centro do universo, que escrever com a mão esquerda era um caso de possessão demoníaca. E tudo isso mudou.

A Igreja Presbiteriana Unida e a Batista dos Estados Unidos são exemplos de denominações que já adotam uma proposta mais inclusiva com relação à diversidade sexual.


Autoria: Cida Alves
A Gazeta - ES

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