domingo, 7 de novembro de 2010

Eles tiveram um sonho. E resolveram abrir a sua igreja

Na fachada de uma loja em Jardim Carapina ardem as labaredas da Fornalha de Fogo. A poucos quilômetros de lá está a Trono Branco, no bairro vizinho Central Carapina, ambos na Serra. As duas igrejas fazem parte de um conjunto de ministérios evangélicos com nomes diferentes e exóticos que pipocam nas periferias do Estado. É o resultado do sonho de pastores desiludidos com suas denominações de origem e que partiram para projetos pessoais.

O auxiliar de limpeza Carlos Ernesto é um exemplo. Há pouco mais de dois anos deixou a Deus é Amor após sonhar com fogo. "Orei por três dias e Deus revelou que era para abrir uma nova obra". Assim surgiu a Fornalha de Fogo, que conta com 18 membros e uma filial em Jacaraípe. Seu gasto mensal com a igreja é de R$ 700, que, às vezes, precisa cobrir com parte de seu salário.

Algo que não assusta os novos empreendedores. Prova disso é o número de entidades religiosas abertas por ano. Só em Vitória, até outubro foram 19; no ano passado foram 50. Na Grande Vitória já são quase três mil, mas os municípios estimam que o número pode ser bem maior já que muitas apenas abrem as portas, sem oficializar o registro público.

Há bairros com várias igrejas em uma mesma rua, como em Vila Nova de Colares, na Serra. Templos pequenos, sem janelas, com cadeiras de plásticos e aparelhos de som potentes. Em alguns, há o luxo de um pequeno ventilador. Locais onde é possível encontrar denominações como a Raio de Luz, Poço dos Mistérios, Fogo e Glória, Porta Estreita Entrada para o Céu, dentre outras.

Para alguns pastores, os nomes podem até parecer exóticos, mas destacam que deles há referências na Bíblia. "Os evangélicos sabem que alguns nomes são proféticos", diz Marco Antonio Beato, pastor das Águas Purificadoras e presidente da Associação Nacional de Amparo aos Irmãos Evangélicos (Anaie), cuja igreja é fruto de uma revelação. Para outros, o assunto é preocupante. "Mesmo bíblicos, alguns nomes podem levar a interpretações equivocadas", pontua Alcemir Pantaleão da Igreja Peniel.

Julius Zabatiero, professor de Religião da Faculdade Unidas (FTU), explica que o que se vê é o resultado de um processo iniciado há mais de 20 anos com o neopentecostalismo, mas que vem ganhando força, assim como a economia informal. Igrejas pautadas numa filosofia de sucesso, de respostas rápidas, sem vínculos com a comunidade e que nem sempre sobrevivem. "Um projeto individual instalado onde o pastor pode pagar o aluguel". E como a abordagem é  emocional, dispara Zabatiero, o nome precisa ser sugestivo.

Expansão
4.545 igrejas
É o número de igrejas que existem no Estado, segundo a Receita Federal. O maior número está na Serra, Vila Velha, Vitória e Cariacica.

Dona de casa se torna pastora e funda ministério
Há cinco meses a dona de casa Creuza Alves Ferreira Santos, 52, tornou-se pastora e fundou a sua igreja, a Resgatando Almas, em Central Carapina, na Serra. "Era o plano de Deus para a minha vida". Nos cultos realizados quatro vezes por semana, aparecem 20 pessoas, que disputam um espaço de pouco mais de 8m2 . Membros registrados, com pagamento de dízimo, são só dois. Por mês, ela tira R$ 480 do bolso para manter o projeto. Mas sua igreja ainda não foi registrada. "Vou fazer isso assim que ela se firmar". Ex-obreira da Quadrangular, Creuza mostra seu certificado do curso de pastora e garante estar apta a orientar o casal Márcia e Gedeon de Jesus, e a filha Jenifer, seus mais recentes fiéis. No bairro, outras três igrejas foram abertas na rua da de Creuza.

Com isenção, abrir templo pode custar só  R$ 650

Abrir uma igreja é fácil. E não muito caro, já que contam com imunidade e até isenção em alguns impostos e taxas. Para regularizar a Fornalha de Fogo, por exemplo, o pastor Carlos Ernesto desembolsou R$ 650. "Incluindo as despesas com o contador que tratou de toda a documentação", assinalou.

Mas as instituições religiosas não estão livres da obtenção do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) na Receita Federal, nem do alvará de funcionamento, junto aos municípios. Precisam ainda solicitar a vistoria do Corpo de Bombeiros, que só isenta do pagamento da taxa as instituições filantrópicas.

Quem abre uma unidade e não a regulariza pode estar sujeito à fiscalização, multas e até  fechamento. "O nosso objetivo é sempre garantir a segurança dos fiéis que frequentam o local", pontua a subsecretária de Finanças de Cariacica, Luiza Marilac Nascimento.

Hábitos antigos
O problema, destaca Luiza, é que em muitos bairros as pessoas ainda mantêm hábitos antigos e não se preocupam em regularizar o seu templo. "O que é um erro, já que há muitas facilidades", acrescenta a subsecretária. Ela destaca ainda que não há dificuldades para se obter a documentação e que um alvará provisório pode ser obtido até pela internet, no site da prefeitura.

Em Vitória, cerca de 80% de suas 472 igrejas estão com licenciamento vencido ou nunca foram licenciadas. Situação que vem sendo  resolvida, segundo Kleber Frizzera, secretário de Desenvolvimento. "Desde que as igrejas foram contempladas com a isenção, temos sido procurados com frequência", diz o secretário. No site da Prefeitura de Vitória também é possível encontrar todas as informações para o obtenção do alvará.

As dificuldades residem principalmente com as igrejas menores, onde é difícil encontrar até o seu responsável. Frizzera destaca que só não podem usufruir dos benefícios de isenção as atividades comerciais das igrejas, como as rádios.




A GAZETA

Vilmara Fernandes

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